Temos de considerar que classificações ou conceitos, tais como 'racional' e 'emocional', são construções mentais que classificam, e dividem, uma realidade que não funciona dessa maneira seccionada, como se existissem dois circuitos paralelos. Investigações como a de António Damásio mostram a desadequação dessa divisão, embora ele próprio, para dar a conhecer as suas propostas, tenha de recorrer a esses conceitos.
Não consigo explicar isto muito bem, mas encontrei uma analogia nas teorias do voo dos aviões; há duas explicações: uma baseada no diferencial de pressão exercida pelo ar sobre e sob a asa (maior em baixo, empurrando a asa para cima); e uma outra baseada na terceira lei de Newton: a acção provocando uma reacção. Ambas as teorias estão certas, ambas podem ser traduzidas em modelos matemáticos, ambas podem ser replicadas laboratorialmente e ambas possuem capacidade preditiva. Acaso o avião ou o ar atmosférico "conhecem" estas teorias? Certamente que não: o que lá se passa é uma interacção complexa, para o observador humano, que recorre a estas muletas que são as teorias, para aceder a uma "explicação" razoável do fenómeno, uma explicação que lhe sirva objectivos práticos ou satisfaça a sua curiosidade.
Da mesma forma, actividades humanas tais como a criação de conhecimentos ou a tomada de decisões, são realidades complexas, das quais apenas nos podemos aproximar ao longe, através de teorias e conceitos necessariamente limitados. E essa limitação é inultrapassável: tal como um motor de explosão a dois tempos não se consegue explicar a si próprio (algo fácil para um humano, mas inacessível para o próprio motor, dada a sua simplicidade), também ao ser humano está vedado o explicar-se a si próprio: não pode aceder a um conhecimento que exige uma complexidade superior à dele próprio. Na falta de verdadeiras explicações, recorremos a analogias: isto é como aquilo. É talvez por isso que se recorre tanto à etimologia das palavras, sendo que sob a aparente diversidade dos actuais vocábulos se encontra um número restrito de palavras originais, elas próprias analogias de objectos: dedo, braço, cabeça, casa, etc.
Veja-se, por exemplo, o caso as teorias geocêntrica e heliocêntrica do sistema solar; supostamente há um progresso da primeira para a segunda. Até há quem diga que a primeira estava errada e a segunda certa. O que pensa hoje é que o Universo não tem centro, existindo apenas interacção entre todos os corpos celestes; o Sol e a Terra articulam-se e atraem-se mutuamente, como se existisse uma corda a ligá-los, e este conjunto roda por sua vez em relação ao conjunto do Universo; deste ponto de vista, tanto a teoria geocêntrica como a heliocêntrica têm a sua dose de verdade. Mas se acreditássemos em Einstein (fingimos que sim, mas é apenas por ele ter uma carinha simpática) concluiríamos que nada disso se passa.
Como já tem sido referido, as teorias, incluindo as teorias científicas, não passam de metáforas, mais ou menos complexas (isto é, mais ou menos difíceis de ensinar e compreender). Um dos que teve a humildade suficiente para reconhecer isto foi Newton, que apresentou a teoria da atracção universal dos corpos celestes mas disse: atenção, isto funciona assim, mas não faço ideia porque é que acontece. E ainda hoje persiste o mistério sobre o que será essa "força" que atrai os corpos celestes. Como é que um asteróide vem lá dos confins do sistema solar e, ainda a milhões de km de distância, começa a ter a trajectória afectada pelo Sol? Como é que ele sabe que o Sol está ali? Nós todos aprendemos e repetimos: é uma "força" que faz isso. Mas que "força" é esta? [Sérgio Godinho, lol!]. Na realidade, é apenas uma analogia com a "força" do nosso braço, exercida por acção muscular. Einstein também concluiu: não há força nenhuma, e as trajectórias dos corpos celestes nunca dão curvas: eles seguem "a direito" por um espaço que foi, ele próprio, "encurvado" pela existência das massas dos corpos celestes. Tal como quando dizemos que vamos "a direito" por uma determinada estrada, mas isso significa que acompanhamos as curvas da própria estrada. Ou seja: analogias, analogias, analogias! Metáforas, metáforas, metáforas!
Há talvez aqui uma ponte entre o prazer da descoberta de conhecimentos (o momento "Eureka") e o prazer da fruição artística — paralela da relação entre a sinestesia e a criação artística, referida por Vilayanur Ramachandran no vídeo apresentado abaixo. É mais difícil detectar as metáforas no pensamento científico contemporâneo, embora ele seja evidente no do passado (por exemplo, na Astrologia, a analogia do Sol que se "deita" com diversos astros ao longo do ano, origem do Zodíaco). A satisfação provocada pelo estabelecimento dessas analogias — quer no descobridor original, quer nos que descobrem por aprendizagem — pode ser a mesma da fruição da obra artística, muito evidente ainda hoje na literatura, e com grande intensidade na poesia, mesmo quando as metáforas são aparentemente ilógicas ou improváveis. Na pintura dita realista isso é evidente, já não o sendo na pintura abstracta, onde todavia a "leitura", tal como a fazem os críticos de arte, é essencialmente assente num exercício sofisticado de analogias e metáforas, às quais não acede o pobre do leigo (e resta saber se essa separação entre os que "sabem", os "eleitos", e os que "não sabem", não será ela própria uma fonte de prazer e satisfação adicional).