segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Morte do "homo economicus"

«In Search of Homo Economicus: Behavioral Experiments in 15 Small-Scale Societies»
Artigo de Joseph Henrich, Robert Boyd, Samuel Bowles, Colin Camerer, Ernst Fehr, Herbert Gintis, Richard McElreath
American Economic Review, Vol. 91, No. 2,



«Recentes investigações revelaram grandes e consistentes desvios nas previsões feitas com base no modelo do homo economicus, tal como é apresentado nos manuais de referência. Um problema parece residir na assumpção canónica dos economistas de que os indivíduos actuam sempre no interesse próprio: adicionalmente aos seus payoffs, muitos sujeitos experimentais parecem importar-se com a justiça e a reciprocidade, estão dispostos a redistribuir os ganhos materiais com sacrifício próprio, e estão dispostos a compensar aqueles que agem de modo cooperativo e punir os que o não fazem, mesmo quando estas acções os penalizam. Estes desvios daquilo que designaremos como "modelo canónico" têm importantes consequências para uma vasta gama de fenómenos económicos, incluindo a configuração óptima de instituições e contratos, a alocação de direitos de propriedade, as condições para acção colectiva de sucesso, a análise de contratos incompletos e a persistência de prémios de salário não competitivos [noncompetitive wage premia].

«Continuam por responder questões fundamentais. Serão os desvios relativamente ao modelo canónico a evidência de padrões universais de comportamento, ou será que os ambientes económicos e sociais do indivíduo conformam o comportamento? Neste caso, que condições económicas e sociais estão envolvidas? Será o comportamento recíproco melhor explicado estatisticamente pelos atributos dos indivíduos, tais como a idade, sexo e riqueza relativa, ou pelos atributos do grupo a que o indivíduo pertence? Existirão culturas que se aproximem do modelo canónico de comportamento no interesse próprio?

«A investigação existente não pode responder a tais questões porque virtualmente todos os sujeitos estudados eram estudantes universitários, e embora ocorram diferenças culturais entre as populações de estudantes, estas diferenças são pequenas quando comparadas com a gama de todos os ambientes sociais e culturais. Para abordar este problema nós e os nossos colaboradores iniciámos um grande estudo trans-cultural de comportamento (...) Doze equipas de investigadores experimentados trabalharam em 12 países dos 5 continentes, recrutaram sujeitos de 15 sociedades de pequena escala com uma ampla variedade de condições económicas e culturais. A nossa amostra consiste de três sociedades forrageiras, seis que praticam uma horticultura de abate e queimada, quatro grupos nómadas de pastoreio e três sociedades sedentárias com agricultura de pequena escala.

«Podemos resumir os resultados da seguinte forma. Primeiro: o modelo canónico não é suportado em nenhuma das sociedades estudadas. Segundo: existe uma consideravelmente maior variabilidade entre grupos do que fora anteriormente observado em investigações similares, e o modelo canónico falha numa maior gama de maneiras do que fora observado em experiências anteriores. Terceiro: as diferenças ao nível do grupo, na organização económica e no grau de integração de mercado, explicam uma parte substancial da variação cultural entre as sociedades: quanto mais elevado é o grau de integração de mercado e mais elevados os payoffs da cooperação, mais elevado é o nível de cooperação nos jogos experimentais. Quarto: as variáveis económicas e demográficas individuais não explicam o comportamento no interior do grupo nem entre grupos. Quinto: o comportamento observado nas experiências é em geral consistente com os padrões económicos da vida do dia-a-dia nestas sociedades.»

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Saber menos para saber mais

"Models of Ecological Rationality: The Recognition Heuristic" (pdf), artigo de Daniel Goldstein e Gerd Gigerenzer, publicado na Psychological Review de 2002 (Vol.109).
«Uma visão da heurística é a de que existem versões imperfeitas de procedimentos estatísticos óptimos, consideradas demasiadamente complicadas para as mentes comuns. Em contraste, os autores consideram a heurística como estratégias adaptativas que evoluem em "tandem" com mecanismos psicológicos fundamentais.

«A heurística do reconhecimento, alegadamente a mais frugal das heurísticas, faz inferências de padrões de conhecimentos que se desconhecem. Esta heurística explora uma adaptação fundamental em muitos organismos: a vasta, sensível e confiável capacidade para o reconhecimento. Os autores especificam as condições sob as quais a heurística do reconhecimento tem sucesso e conduz ao efeito contra-intuitivo de que "menos-é-mais", segundo o qual menos conhecimento é melhor do que mais, para se fazerem inferências precisas.»

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Neural connections


"Neural connections of the posteromedial cortex in the macaque", artigo de de Josef Parvizi, Gary W. Van Hoesen, Joseph Buckwalter e António Damásio
publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences
de 31 de Janeiro de 2006:
«To understand the neural relationship of the posteromedial cortex (PMC) with the rest of the brain, we injected its component areas with four different anterograde and retrograde tracers in the cynomolgus monkey and found that all temporo-parieto-occipital areas (PMC) are interconnected with each other and with the anterior cingulate, the mid-dorsolateral prefrontal, the lateral parietal cortices, and area TPO, as well as the thalamus, where projections from some of the PMC areas traverse in an uninterrupted bar-like manner, the dorsum of this structure from the posteriormost nuclei to its rostralmost tip.»

Acontecimentos únicos

"Historical contingency and the purported uniqueness of evolutionary innovations", artigo de Geerat J. Vermeij
publicado nos "Proceedings of the National Academy of Sciences" de 7 de Fevereiro de 2006.
«Many events in the history of life are thought to be singular, that is, without parallels, analogs, or homologs in time and space. These claims imply that history is profoundly contingent in that independent origins of life in the universe will spawn radically different histories. If, however, most innovations arose more than once on Earth, histories would be predictable and replicable at the scale of functional roles and directions of adaptive change. Times of origin of 23 purportedly unique evolutionary innovations are significantly more ancient than the times of first instantiation of 55 innovations that evolved more than once, implying that the early phases of life’s history were less replicable than later phases or that the appearance of singularity results from information loss through time. Indirect support for information loss comes from the distribution of sizes of clades in which the same minor, geologically recent innovation has arisen multiple times. For three repeated molluscan innovations, 28–71% of instantiations are represented by clades of five or fewer species. Such small clades would be undetectable in the early history of life. Purportedly unique innovations either arose from the union and integration of previously independent components or belong to classes of functionally similar innovations. Claims of singularity are therefore not well supported by the available evidence. Details of initial conditions, evolutionary pathways, phenotypes, and timing are contingent, but important ecological, functional, and directional aspects of the history of life are replicable and predictable.»

Diferenciação

"The brain differentiates human and non-human grammars: Functional localization and structural connectivity", artigo de Angela D. Friederici, Jörg Bahlmann, Stefan Heim, Ricarda I. Schubotz e Alfred Anwander
publicado nos "Proceedings of the National Academy of Sciences" de 14 de Fevereiro de 2006
«The human language faculty has been claimed to be grounded in the ability to process hierarchically structured sequences. This human ability goes beyond the capacity to process sequences with simple transitional probabilities of adjacent elements observable in non-human primates.

Here we show that the processing of these two sequence types is supported by different areas in the human brain. Processing of local transitions is subserved by the left frontal operculum, a region that is phylogenetically older than Broca’s area, which specifically holds responsible the computation of hierarchical dependencies. Tractography data revealing differential structural connectivity signatures for these two brain areas provide additional evidence for a segregation of two areas in the left inferior frontal cortex.»

Escolher sem reconhecer

"Preferring one taste over another without recognizing either", artigo de Ralph Adolphs, Daniel Tranel, Michael Koenigs e António R. Damásio
publicado na "Nature neuroscience" de Julho de 2005
«Stimuli can be discriminated without being consciously perceived and can be preferred without being remembered. Here we report a subject with a previously unknown dissociation of abilities: a strong behavioral preference for the taste of sugar over saline, despite a complete failure of recognition. The pattern of brain damage responsible for the dissociation suggests that reliable behavioral choice among tastes can occur in the absence of the gustatory cortex necessary for taste recognition.»

Emoções e actividade respiratória

"Basic emotions are associated with distinct patterns of cardiorespiratory activity", artigo de P. Rainville, A. Bechara, N. Naqvi e António Damasio
International Journal of Psychophysiology, 31 de Janeiro de 2006
«The existence of specific somatic states associated with different emotions remains controversial. In this study, we investigated the profile of cardiorespiratory activity during the experience of fear, anger, sadness and happiness. (...) Univariate statistics indicated that the four emotions differed from each other and from the neutral control condition on several linear and spectral indices of cardiorespiratory activity. (...) These findings may be considered preliminary in view of the small sample on which the multivariate approach has been applied. However, this study emphasizes the need to better characterize the multidimensional factors involved in cardio-respiratory regulation during emotion. These results are consistent with the notion that distinct patterns of peripheral physiological activity are associated with different emotions.»

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Neuromarketing

«O Neuromarketing consiste na utilização combinada das tecnologias médicas, com especial incidência pela imagem de ressonância magnética funcional, e dos conhecimentos da psicologia. Não aplicadas ao doente, mas ao consumidor/cliente com a finalidade de conhecer as suas reacções e atitudes perante as marcas, produtos, serviços e até pessoas, e assim elaborar campanhas promocionais e institucionais mais eficazes para promoção destes.
O processo consiste em submeter participantes voluntários a uma ressonância magnética funcional e apresentar várias imagens e videoclips, registando quais as zonas que se activam no seu cérebro. Em seguida estes resultados são mapeados e interpretados pelo pesquisador, determinando que imagens a pessoa mais gostou durante a experiência e em que nível.
(...)
«Os argumentos apresentados pelos profissionais do marketing em defesa do neuromarketing é de que através da técnicas de questionários, entrevistas ou sondagens de opinião, as respostas não traduzem o lado emocional quando é apresentado o produto mas apenas aquilo que cada indivíduo quer dizer sobre ele, ou que pensa que o publicitário quer ouvir, ou mais comumente, o que é “moda” dizer-se na altura.

«Em vez da utilização destas técnicas tradicionais é utilizada a ressonância magnética funcional que retrata mais fielmente as emoções sentidas quer estas sejam provenientes de imagens ou linguagem utilizada.»

add, parte 1, parte 2

Nota: neste texto é citado o artigo de McLure e outros, "Neural Correlates of Behavioral Preference for Culturally Familiar Drinks", publicado pela revista Neuron e referido abaixo, no post Imagiologia.


Olho da mosca da fruta (Drosophila melanogaster )

Um macaco a guiar um carro

Porque é que a lógica por vezes fica para trás?

«Por exemplo:quando a Liga Nacional de Hóquei e os seus jogadores lutam contra uma tentativa de colocar um tecto nos seus salários e o impasse provoca o cancelamento do campeonato, todos ficam a perder. O que é que terá falhado?

«De acordo com a nova ciência da Neuroeconomia, a explicação pode residir no interior dos cérebros dos negociadores. Não no córtex pré-frontal, onde as pessoas pesam racionalmente os prós e os contras, mas mais no interior, onde nascem poderosas emoções. Imagens do interior do cérebro mostram que, quando as pessoas sentem que estão a ser tratados de modo injusto, se ilumina uma pequena área designada como pequena ínsula, originando o mesmo desconforto que as pessoas sentem, por exemplo, ao cheirarem uma doninha. Isso sobrepõe-se às deliberações do córtex pré-frontal. Com tão poderosas funções na zona primitiva do cérebro, não é de admirar que as transacções económicas ‘dêem para o torto’. "Em alguns aspectos, a moderna vida económica dos humanos assemelha-se a um macaco a guiar um carro", diz Colin F. Camerer, um economista do Instituto de Tecnologia da Califórnia.

«Até recentemente, os economistas contentaram-se em observar as pessoas a partir do exterior. Agora, Camerer e outros, em equipa com psicólogos e neurocientistas, estão a recorrer à técnica designada como imagiologia de ressonância magnética funcional (fMRI) para olhar para dentro da cabeça. É como observar um debate do Congresso em vez de adivinhar o que se está a passar apenas pela observação das leis que são aprovadas.

«A Neuroeconomia, embora ainda seja olhada com cepticismo pelos economistas da "corrente principal", pode ser a próxima grande descoberta neste campo. Ela promete colocar a teoria económica em terreno mais firme, ao descrever as pessoas como elas realmente são, e não como os modelos matemáticos extremamente simplificados supostamente os consideram. Eventualmente poderá ajudar os economistas a conceber incentivos que orientem suavemente as pessoas para que tomem decisões que são no seu melhor interesse a longo prazo, em aspectos que vão desde as negociações laborais até dietas de 401 calorias. Diz o economista da Universidade de Harvard, David L. Laibson, outro investigador de topo: "Para compreender os reais fundamentos dos nosso comportamento e escolhas, temos de olhar para dentro da caixa negra."

«A Neuroeconomia pode igualmente fornecer à Economia um quadro teórico alternativo. Desde o início do século XX que os economistas assumiram maioritariamente que as pessoas possuem um conjunto de preferências estável e consistente, as quais procuram satisfazer. Quando confrontadas com um resultado aparentemente ilógico - tal como o cancelamento da Liga de Hóquei - tentam explicá-lo como sendo o resultado de um processo de decisão racional. Economistas de topo como Gary Becker, Milton Friedman e Ribert E. Lucas Jr., todos eles laureados com o Nobel, têm argumentado que a discriminação, o desemprego e as reviravoltas das bolsas de valores podem ter origens racionais.

«Em anos recentes, a assumpção da racionalidade tem sofrido alguns rudes golpes à medida que os economistas mostram que as pessoas manifestam frequentemente falta de auto-controlo, apresentam visões limitadas e reagem com exagero ao medo de sofrer perdas. Mas até agora estes ataques à racionalidade - desferidos sob o chapéu da "economia comportamental" - parecem ser mais um saco de anomalias do que uma teoria alternativa consistente. Por isso a assumpção da racionalidade tem sobrevivido.

«Mas ao associar o comportamento económico à actividade cerebral, contudo, os neuroeconomistas podem finalmente fornecer o modelo que afaste a corrente principal da economia do seu trono. O novo modelo pode adequar-se melhor à realidade, mas não será tão matematicamente puro - porque o cérebro é um lugar algo confuso, com diferentes partes encarregues de diferentes tarefas.»
(…)

"Inside The Black Box "
BusinessWeek online, 28.Março.2005

Imagiologia

«O uso das técnicas de imagiologia neural [neuroimaging] em contextos de mercado ainda se encontra na sua infância. Apesar de muito prometedor, é ainda necessária uma grande quantidade de trabalho experimental para determinar qual o conjunto de problemas que pode ser melhor tratado com esta abordagem, e como é que as técnicas de imagiologia neural podem complementar os métodos existentes. As técnicas de imagiologia neural não geram hipóteses só por si - e para formular hipóteses é necessário ter uma profunda compreensão dos temas envolvidos no contexto da investigação.

O estudo de McLure e outros ["Neural Correlates of Behavioral Preference for Culturally Familiar Drinks"] envolvendo a Coca Cola e a Pepsi fez exactamente isso, dado existir uma literatura extensiva acerca das marcas [branding], de testes cegos e não-cegos e do papel da imagem das marcas e seu significado cultural. Também é promissor o uso da imagiologia neural para ajudar a compreender melhor o modo como a informação de mercado é consolidada na memória, ou como os padrões de activação mudam ao longo de múltiplas exposições a um dado anúncio. Além disso, pode revelar mais acerca dos componentes efectivos associados com um produto ou acerca da compensação associada à aquisição de um produto.

Uma área de aplicação muito interessante envolve a dinâmica básica da realização de escolhas. Um estudo de imagiologia neural, potencialmente muito importante por colocar em causa uma assunção central da Economia, revelou que as atitudes acerca de recompensas [payoffs] e as crenças acerca da probabilidade de resultados, interagem tanto comportamentalmente como neurologicamente ["Neuronal Substrates for Choice Under Ambiguity, Risk, Gains, and Losses"]. Isso pode ajudar-nos a determinar se um anúncio está a ter um impacto emocional duradouro ou se determinadas metáforas estão a ser efectivas.»

"A behavioral window on the mind of the market:
An application of the response time paradigm
",
de Fred W. Mast e Gerald Zaltman.
"Brain Research Bulletin", 15 de Novembro de 2005