quinta-feira, novembro 30, 2006

Defesa da Economia acéfala

"The Case for Mindless Economics" [pdf]
Faruk Gul e Wolfgang Pesendorfer
Novembro de 2005

     «A Neuroeconomia propõe alterações radicais nos métodos da Economia. Este ensaio discute as mudanças propostas na metodologia, juntamente com a crítica neuroeconómica da Economia padrão. A nossa definição de Neuroeconomia inclui investigações que não fazem referência específica à Neurociência e que é tradicionalmente referida como Psicologia e Economia. Identificamos a Neuroeconomia como a investigação que implícita ou explicitamente defende uma das seguintes duas propostas:

Asserção I - A evidência psicológica e fisiológica (tais como descrições de estados hedónicos e processos cerebrais) são directamente relevantes para as teorias económicas. Em particular, elas podem ser usadas para suportar ou rejeitar modelos económicos ou até mesmo a metodologia económica.

Asserção II - Aquilo que faz os indivíduos felizes ('utilidade verdadeira') é diferente daquilo que eles escolhem. A análise do bem-estar económico deve usar a utilidade verdadeira em vez das utilidades que orientam a escolha ('utilidade escolhida').
[...]
     «Na secção 5 deste ensaio, argumentamos que a Asserção I da crítica neuroeconómica falha a compreensão da metodologia da Economia e subestima a flexibilidade dos modelos padrão. A Economia e a Psicologia colocam questões diferentes, utilizam diferentes abstracções, e procuram um tipo diferente de evidência empírica. A evidência obtida pela Neurociência não pode refutar os modelos económicos porque estes não fazem assumpções nem tiram conclusões acerca da psicologia do cérebro. Da mesma forma, a ciência do cérebro não pode revolucionar a Economia porque não tem capacidade para abordar as preocupações da Economia. Também argumentamos que os métodos da Economia padrão são mais flexíveis do que é assumido pela crítica neuroeconómica e apresentamos exemplos de como a Economia padrão lida com as preferências inconsistentes, erros e preconceitos.
     «Os neuroeconomistas vão buscar questões e abstracções à Psicologia e reinterpretam os modelos económicos como se o seu fim fosse responder a essas questões. O modelo económico padrão da escolha é tratado como um modelo do cérebro e é considerado inadequado. A Economia, ou é tratada como ciência amadora do cérebro e rejeitada como tal, ou a evidência cerebral é tratada como evidência económica para rejeitar os modelos económicos.
     «Kahneman afirmou que os estados subjectivos e a utilidade hedónica são "tópicos de estudo legítimos. Isto pode ser verdade, mas tais estados e utilidades não servem para calibrar e testar os modelos económicos padrão. As discussões acerca de experiências hedónicas não têm lugar na análise económica padrão porque a Economia não faz previsões acerca delas e não possui dados para testar tais previsões. Os economistas também não possuem meios para integrar medições da utilidade hedónica com dados económicos padrão. Por isso, consideraram apropriado confinar-se à análise destes últimos.
     «O programa da Neuroeconomia para mudanças na Economia ignora o facto de que os economistas, mesmo quando lidam com questões relacionadas com as que se estudam em Psicologia, têm diferentes objectivos e abordam evidência empírica diferente. Estas diferenças fundamentais são obscurecidas pela tendência dos neuroeconomistas em descrever ambas as disciplinas em termos muito amplos.»

segunda-feira, novembro 27, 2006

Meta-estabilidade

"Neuroeconomics and the metastable brain" (pdf)

Oullier O, Kelso JA.
Trends in Cognitive ScienceS. 2006 Aug;10(8):353-4.

«Num recente artigo Sanfey e outros sugerem que a Neuroeconomia deve apoiar-se na "perspectiva unitária" da Economia e na "abordagem de sistemas múltiplos" da Neurociência para desafiar as teorias clássicas da tomada de decisão apoiadas na racionalidade. Eles defendem a noção de que as ideias da Economia poderão fornecer luz a um dos grandes enigmas da neurociência - como é que são coordenadas as diferentes zonas do cérebro para produzir um comportamento dirigido a objectivos. Numa tentativa de ultrapassar a separação conceptual entre dois campos tão dispares, Sanfey e os seus colegas propõem uma analogia entre o modus operandi do cérebro e uma corporação. Ambos são apresentados como sistemas governados por um controlo executivo que interage com agentes especializados mais ou menos independentes, que transformam input em output

Uma abordagem alternativa para este modelo puramente hierárquico é a 'coordination dynamics'. Inspirada em princípios de auto-organização especialmente concebidos para as necessidades das funções cognitivas e funcionamento do cérebro, a 'coordination dynamics' propões que os estados da mente, manifestados como padrões de coordenação no cérebro, nascem espontaneamente de acoplamentos não lineares entre os componentes em interacção. Quais os padrões que se criam, depende da sua estabilidade sob certos contrangimentos. À medida que as circunstâncias mudam, um padrão pode perder estabilidade e um outro pode emergir espontanemente, porque se adapta melhor às necessidads do momento. Esta tomada de decisão e a selecção de padrões dependentes do contexto têm sido observadas e modelizadas aos níveis comportamental e cerebral.

Um aspecto inovador da coordination dynamics é o de que, para além de onde ocorrem os estados de coordenação estáveis, existe um regime "meta-estável" mais subtil. A meta-estabilidade - 'um novo princípio do funcionamento cerebral'- é caracterizado por tendências parcialmente coordenadas nas quais os elementos de coordenação individual não são, nem completamente independentes (segregação local) nem totalmente ligados numa relação mútua fixa (integração global).
[...]
A dinâmica de coordenação meta-estável parece estar a ganhar aceitação na comunidade neurocientífica, de acordo com o crescente número de sínteses que tem proporcionado. Como quadro conceptual para a tomada de decisão espontânea que respeita ambas as dinâmicas do cérebro e da economia, sugerimos que a meta-estabilidade é um complemento útil para o modelo hierárquico proposto por Sanfey, podendo esperar-se que se torne num activo participante no desenvolvimento do camplo transdisciplinar da Neuroeconomia.»


Decisão

"Neural basis of quasi-rational decision making" (pdf)
Daeyeol Lee

«As teorias económicas padrão concebem o homo economicus como um decisor racional capaz de maximizar a utilidade. Na realidade, contudo, as pessoas tendem a aproximar-se de estratégias de decisão óptima através de um conjunto de rotinas heurísticas. Algumas destas rotinas são movidas por processos emocionais, e outras são ajustadas interactivamente através da experiência. Adicionalmente, rotinas especializadas na tomada de decisão social, tais como a inferência dos estados mentais dos outros decisores, podem partilhar as suas origens e mecanismos neurais com a capacidade para estimular ou imaginar resultados esperados de acções alternativas que um individuo pode tomar. Uma recente vaga de colaborações entre a economia, a psicologia e a neurociência forneceu novas visões sobre como estes múltiplos elementos de decisão interagem com o cérebro.»


Indivíduo e instituições

"Neuroeconomics: Best to go with what you know"
Daeyeol Lee
Nature 441, 822 - 823 (15 Junho 2006)

«A Neuroeconomia é um program interdisciplinar de investigação como o bjectivo de construir um modelo biológico da tomada de decisão em ambiente económico. Os neuroeconomistas perguntam como é que o cérebro capacita a mente (ou grupos de mentes) para tomar decisões económicas. Combinando técnicas da ciência cognitiva e da economia experimental podemos agora observar a actividade neural em tempo real, ver como é que esta actividade depende da envolvência económica e testar hipóteses sobre como é que a mente toma decisões económicas. A Neuroeconomia permite-nos uma melhor compreensão tanto da grande heterogeneidade do comportamento humano como do papel das instituições enquanto extensões das nossas mentes.»

Mulheres sentem emoções mais intensamente

     Segundo notícia da Lusa/Público, «As mulheres sentem as emoções com maior intensidade do que os homens, revela um estudo científico inédito realizado em Portugal. Denominado Construção psicológica das emoções: o efeito do movimento dos músculos da face. Estudo empírico com portugueses, o trabalho foi realizado pelo Laboratório de Expressão Facial da Emoção e pretendeu perceber de que forma os músculos faciais podem exibir as emoções básicas.
     No estudo participaram 338 portugueses (169 mulheres e 169 homens), de idades compreendidas entre os 18 e os 70 anos. As emoções escolhidas foram medo, desprezo, tristeza, fúria, felicidade e surpresa. O procedimento consistiu em solicitar aos participantes que usassem os 46 músculos faciais para exibir as emoções, explicou o director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, Freitas Magalhães.
     As conclusões do estudo referem que as mulheres sentem as emoções com maior intensidade do que os homens. As emoções foram sentidas mais intensamente também entre os participantes com idades entre os 40 e os 60 anos, factor que está relacionado com a aprendizagem e com o facto de as pessoas mais idosas terem uma maior predisposição para as emoções, segundo Freitas Magalhães.»

sábado, novembro 25, 2006

Emoções: regresso do filho pródigo


Texto publicado na revista DiaD, do jornal Público - 24 de Novembro de 2006

     As investigações que se estão a fazer no campo das neurociências, nomeadamente aquelas em que se procura compreender os processos de tomada de decisão, acabarão por ter consequências sobre a teoria económica. Os economistas, por pouco que isso lhes agrade, terão de o aceitar. Afinal, não foi a Economia que se aventurou por territórios alheios, procurando explicar fenómenos como o casamento ou o crime, com recurso às leis económicas e aos mercados?
     Os trabalhos de investigadores como António Damásio, com a sua proposta de uma maquinaria neuronal dupla – racional e emocional – a participar activamente nas decisões dos humanos, apresenta já evidentes pontos de contacto com a teoria económica, e muitas das suas experiências laboratoriais recorrem mesmo a jogos e simulações típicas da Economia. Uma das suas linhas de investigação é sobre se o ser humano é fundamentalmente egoísta ou não, o que constitui também um dos problemas centrais da teoria económica.
     Alguns críticos do postulado da racionalidade na teoria económica já começaram a citar estas investigações como sendo mais uma prova da fragilidade desse pilar da ortodoxia. As sugestões de que o ser humano é incapaz de uma racionalidade absoluta – desde logo, pela impossibilidade material de aceder e processar toda a informação relevante para uma decisão racional – são antigas. Mas agora que nos laboratórios dos neurocientistas, com recurso à maravilhosa (e cara) maquinaria da imageologia cerebral, se descobrem “provas” de que as decisões humanas “normais” são tomadas tanto com recurso ao pensamento racional como ao mecanismo das emoções, a balança pode bem começar a pender para o lado destes críticos. Mas será mesmo assim?
     Bem, pode até ser o contrário. Perante as evidentes limitações do pensamento racional foram propostas algumas variantes, tais como a da “racionalidade limitada”, segundo a qual o indivíduo não decidiria em função de todas as hipóteses possíveis, mas apenas de um conjunto limitado de variáveis, consideradas “mais relevantes”. No entanto, esta teoria não explica como é que se escolhem as variáveis “relevantes”: para o fazer teriam de se ponderar todas as hipóteses possíveis, o que nos remete para o início do problema. Noutras formulações diz-se que é através da tentativa e erro que os indivíduos se aproximam da “decisão racional” absoluta.
     E é aqui que o mecanismo das emoções, tal como é entendido por António Damásio na sua “hipótese do marcador somático”, pode vir em socorro do postulado da racionalidade. O marcador somático seria o instrumento privilegiado da tal aprendizagem por tentativas, ou da selecção das variáveis “relevantes”.
     Admito que esta ideia pareça fantástica, ou fantasiosa, mesmo para os defensores da ortodoxia. A ser verdade, isso significaria que o mecanismo das emoções tem uma capacidade superior para “aprender com o passado” e iluminar o futuro, e tudo isso com a ajuda de uma memória emocional que é provavelmente semelhante à que parece existir também em outros mamíferos. “Gato escaldado de água fria tem medo”, costumamos nós dizer, com desprezo, precisamente para ilustrar um comportamento exageradamente defensivo, apoiado numa avaliação não racional. Mas será que é mesmo exagerado? O pensamento racional acha que sim, mas neste caso é juíz em causa própria.
     Aparentemente o mecanismo das emoções precedeu o do pensamento racional em termos evolutivos. Isso quer dizer que teve muito mais tempo para se aperfeiçoar. E provavelmente consome menos energia que os circuitos da racionalidade - admite-se até que seja por isso que mais nenhuma espécie optou pela via da racionalidade. Quem é que quer um luxuoso mecanismo racional, de tal modo consumista que nos obriga a procurar mais comida, quando se pode conseguir o mesmo com um órgão mais simples? Até mesmo as limitações do pensamento racional podem estar relacionadas com problemas de “economia”: maior velocidade e mais variáveis em ponderação significariam uma despesa incomportável
     A história da economia está cheia de casos de sucesso decorrentes de comportamentos intuitivos, que se movem “não se sabe lá muito bem como”, frequentemente contra os conselhos da racionalidade prudente. Aceitar que isso decorra dum mecanismo “inferior”, o qual parece mais controlar-nos do que nós o controlamos a ele, mecanismo esse que, provavelmente, partilhamos com outras espécies animais – eis uma ideia que a sociedade não vai aceitar sem luta. Se não, qualquer dia ainda lhe vão dizer que formas de aprendizagem como a da recruta militar são o equivalente humano do adestramento de animais…
     No entanto, até nos actos mais vulgares do nosso dia-a-dia se apresentam mistérios que poderiam ser melhor explicados, e compreendidos, por essa nossa desprezada ferramenta. Porque é que demoramos tanto tempo a aprender a conduzir um automóvel, quando o pensamento é capaz de compreender a racionalidade da coisa em menos de meia hora? E quem é que toma as decisões quando guiamos “automaticamente” esse mesmo veículo por um percurso familiar, sendo evidente que a atenção foi apenas um passageiro distraído da viagem?

quinta-feira, novembro 02, 2006